"Pinot é uma uva difícil" já é mais repetido no
meio dos vinhos do que "alalaô" no Carnaval - a questão é que é
verdade. A uva é caprichosa, suscetível a cada detalhe que a cerca: desde o
solo até a quantidade de chuva, passando pela forma com que é podada e chegando
aos cuidados da vinificação.
Não é sem motivo que os mais fanáticos dizem não existir
Pinot Noir fora da Borgonha. Muitas vezes os vinhos se tornam irreconhecíveis,
distorcidos pelo clima quente ou pelas técnicas de produção mais adequadas a
outras variedades. Ainda assim, a cada tanto, aparecem alguns "bolsões de
Pinot Noir" em lugares inusitados, que nos permitem descobrir novas
expressões da uva sem que o vinho perca seu refinamento e uma relativa delicadeza,
marca registrada da variedade.
Recentemente a equipe da Zahil de São Paulo se reuniu em
torno das taças para provar e comparar Pinot Noir exclusivamente provenientes
do Novo Mundo. Exceto eu mesmo, todos provavam seis vinhos às cegas, embora
pudessem calcular quais poderiam estar a partir dos que compõem o nosso
portfólio. São eles, atualmente:
Da Argentina:
Trumpeter Reserve Pinot Noir (R$71)
Salentein Reserve Pinot Noir (R$68)
Primus Pinot Noir (R$216)
Do Chile:
Sol de Sol Pinot Noir (R$118)
Montsecano (R$287)
Tectonia (R$95)
Da Nova Zelândia:
Framingham Pinot Noir (R$139)
O primeiro vinho, de cor rubi e intensidade média, mostrava
álcool pronunciado já no nariz, embora com aromas que, para muitos na mesa,
seguramente indicavam a variedade: notas florais, morango e um leve terroso. O
vinho era volumoso e de fato continha um teor alcoólico elevado, característico
dos Pinot produzidos na Argentina. Muitos votaram Trumpeter, a maioria acertou
ao votar Salentein Reserve.
O segundo vinho mostrava a mesma tonalidade, com mais
complexidade no nariz (sinais de evolução) e fruta ainda fresca. Em boca era
delicado e equilibrado, muito floral, com notas terrosas e fruta muito fresca.
Este confundiu muita gente - eu inclusive. Os que chegaram mais perto votaram
no Tectonia ou no Sol de Sol - era o Framingham, nosso delicioso Pinot
neozelandês.
O terceiro vinho trazia sempre a mesma cor, com um pouco a
mais de concentração. No nariz um defumado forte denunciava para mim o rótulo,
mas a fruta era bem colocada e as notas florais se ressaltavam. Em boca era
estruturado, ainda que muito fresco e delicado, com bastante fruta e muito
frescor. O defumado, que para mim era delator do vinho, é muito comum no Sol de
Sol Pinot Noir, vinho produzido na afastada região de Traiguén, no extremo sul
da área vitivinícola chilena.
O quarto vinho era bastante violáceo e concentrado, mas o
que entregou de fato foi um aroma que lhe é característico: algo resinoso - que
sempre me lembra as bolinhas japonesas, Jintan - e um terroso
intenso, muito marcante. A fruta também é fresca e viva. Os taninos são mais
pronunciados do que nos seus companheiros, o álcool bastante integrado e também
em boca o resinoso aparece. Este era, obviamente, nosso raro e especial
Montsecano, vinho biodinâmico produzido a partir de uma pequena parcela em
Casablanca.
O quinto vinho tinha óbvios sinais de idade, seja pela cor
(granada, com traços discretamente alaranjados) que pelos aromas (com flores
secas, algo proteico além da fruta bem madura, que me fez pensar em morangos
secos) e pela textura (com taninos marcantes, mas muito polidos), além do
álcool também mais ressaltado que nos outros. Muitos foram capazes de
identificar o Primus Pinot Noir, que ainda existe em estoque na safra de 2004 e
é o mais velho à disposição. Boa surpresa, considerando o quanto este vinho é
concentrado e potente quando novo e se mostrou bastante elegante e agradável,
tendo integrado bem o alto teor álcool caracerístico dos vinhos argentinos.
O sexto e último vinho, complexo, fresco e refinado, foi a
grande surpresa da noite: Tectonia, novidade da Zahil e da Bodega Volcanes
de Chile, ainda não tinha sido provado muitas vezes por ninguém e foi,
juntamente com o terceiro vinho, Sol de Sol, escolhido o mais atraente,
complexo e típico da variedade. Seus aromas vão da fruta ao leve terroso, passando
por um delicado tostado que remete às cinzas de carvão. Leve, de textura macia
e muito frescor em boca, reflete o clima frio de Bio-Bio e o solo vulcânico que
inspirou toda a produção da bodega.
Enfim, belíssima degustação que nos brindou com um panorama
bastante completo da Pinot Noir em regiões selecionadas do novo mundo: na
Argentina são mais concentrados e alcoólicos, mas também intensos e sedutores
enquanto nas regiões mais frias do Chile e na Nova Zelândia podem ser muito
refinados e complexos. Montsecano é, sem dúvida, o mais cheio de caráter de
todos: mais que chileno, mais que Pinot, é um vinho marcado pela origem (uma
colina em Casablanca) e pelo cultivo e vinificação peculiar (biodinâmicos, com
fermentação em ovos de cimento).
Bernardo Silveira
Diretor Técnico - Zahil Importadora
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